sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Texto Referencial para o Eixo 2

Eixo – Ampliar a Participação da Cultura no Desenvolvimento Sócioeconômico Sustentável

          I.   Turismo Cultural
         II.   Estímulo ao desenvolvimento da Economia Criativa da Cultura
        III.   Fomento e Financiamento à Produção Cultural
       IV.   Geração de Trabalho e Renda e Direitos do Trabalhador da Cultura

TURISMO CULTURAL

Ainda que a natureza cultural do turismo é já antiga, a ligação entre turismo e cultura é relativamente recente e muito mais o conceito de “turismo cultural”. Os profissionais da cultura tendiam, até há pouco tempo, a minusvalorar o turismo porque entendiam-no como uma actividade banal, superficial, aculturadora e com pouco interesse pela cultura visitada. Isto mudou muito nas últimas décadas com a criação de pontes entre um campo e outro.

De acordo com dados da Organização Mundial do Turismo (OMT) em 1995, 37% das viagens foram definidas como culturais, o que representa 199 milhões de pessoas. De acordo com um relatório de Turespaña (2001: 9), citando um estudo da ATLAS (Associação Europeia do Turismo e a Educação no Ócio), 28% das viagens por férias realizados em Europa no ano 1997, foram feitos com fins culturais, isto é, 38 milhões de viagens. Turespaña (2001: 9), refere no mesmo estudo que no ano 2000 38% das viagens realizadas no mundo foram por motivação cultural. Em 2004 e segundo a OMT 40% das viagens foram culturais, o que representa 305 milhões de pessoas. Estes cálculos apresentam uma definição muito alargada de turismo cultural, mas as investigações da ATLAS demonstram que o turista que viaja por motivações estritamente culturais está entre 5 e 8% do total do mercado turístico, o que representa cerca de 60 milhões (Richards, 2004).

Face ao turismo convencional e de massas, o turismo cultural apresenta-se como uma alternativa ao turismo de sol e praia, mas, num sentido genérico, o turismo pode ser entendido como um acto e uma prática cultural, pelo que falar em “turismo cultural” é uma reiteração. Não pode existir turismo sem cultura, daí que possamos falar em cultura turística, pois o turismo é uma expressão cultural. Em termos filosóficos toda a prática turística é cultural. Além de mais, o turismo pode ser pensado como uma das actividades que mais tem fomentado o contacto intercultural entre pessoas, povos e grupos. Neste último sentido, o antropólogo Appadurai (1990) fala do turismo como um “ethnoscape”, isto é, como uma paisagem caracterizada pelo fluxo de bens, informação, serviços e turistas, através das fronteiras e num contexto de globalização.

Mas sem cair na tentação de considerar todo tipo de turismo como “turismo cultural”, cabe perguntarmo-nos qual o sentido de “turismo cultural”. Segundo a noção sociológica do conceito de cultura, será que é igual o turismo na cultura que a cultura no turismo? Pois bem, a semântica leva-nos a observar como o turismo cultural é considerado de formas diversas: actividade, experiência, formato do produto turístico, motivação ou factor chave para a viagem e/ou forma de realizar a actividade cultural. Num sentido mais restrito o turismo cultural seria um tipo de viagem por motivos unicamente culturais e educativos, uma definição que
também apresenta os seus problemas e que não chega a ser consensual. De acordo com Bonink e Richards (1992) duas são as abordagens fundamentais para entender o turismo cultural:
a)    A perspectiva dos lugares e dos monumentos. Implica descrever os tipos de atracções visitadas e pensar a cultura como um simples produto. Desde o ponto de vista da estratégia de investigação a seguir, esta seria fundamentalmente quantitativa e focaria as actividades e as motivações dos turistas culturais.
b)    A perspectiva conceptual questiona os porquês e como as pessoas vêem e praticam turismo cultural. Sublinha mais os sentidos, as práticas discursivas, os significados e as experiências.

Nesta óptica, o importante seriam os princípios e as formas de fazer turismo, e não tanto os produtos. Portanto, ao nível de investigação implica uma abordagem mais qualitativa.

No nosso ponto de vista, a primeira perspectiva é redutora, mas quando se cruzam as duas perspectivas, as abordagens do turismo cultural podem ser múltiplas. Alguns autores como Ritchie e Zins (1978) tinham sublinhado os seguintes elementos da oferta turístico-cultural:
a)    Artesanato.
b)    Tradições.
c)    Gastronomia.
d)    Arte e música.
e)    História da região.
f)     Arquitectura.
g)    Religião.

Podemos pensar a oferta desde os diferentes tipos de turismo cultural (Smith,2003: 37):

a)    Turismo patrimonial.
b)    Turismo das artes.
c)    Turismo criativo.
d)    Turismo urbano.
e)    Turismo rural.
f)     Turismo popular.

PATRIMÔNIO CULTURAL, MEIO AMBIENTE E TURISMO

No Brasil, a proximidade entre patrimônio cultural e natural é anterior à eclosão dos movimentos ambientalistas. O Decreto-lei 25, de 1937, que foi acolhido pela CF/88 e continua em vigor, prevê a proteção não só de bens do patrimônio histórico e artístico, como também de monumentos naturais e sítios de valor paisagístico, arqueológico e etnológico. É verdade que a trajetória da política de patrimônio priorizou os bens do período colonial, mas hoje essa perspectiva foi ampliada. A política cultural não está alheia à crise ambiental, que se torna mais grave a cada dia. Mesmo porque essa crise decorre de um componente cultural: o modo de vida consumista, que explora exaustivamente os recursos naturais.

Para muitos povos o vínculo entre natureza e cultura é indissolúvel, e aqueles que o perderam necessitam reatá-lo, sob pena de comprometer todo o ecossistema do planeta. No Brasil aprendemos pouco com as culturas indígenas; ao contrário, o país ainda está preso ao modelo colonial, extrativista, perdulário e sem compromisso com a preservação dos recursos naturais.

Agir com rigor na proteção do patrimônio natural e cultural pressupõe pensar novos modos de vida. Assim como o movimento ambientalista criou o conceito de desenvolvimento sustentável, para conciliar crescimento econômico e preservação da natureza, pode-se falar em “sustentabilidade cultural”, que significa erradicar a miséria, a pobreza e o analfabetismo, chegar aos níveis superiores de educação e usufruir dos benefícios da ciência e da tecnologia. Pressupõe respeitar e proteger a diversidade cultural, ter acesso às coisas belas e, no limite, conquistar a paz. Paz não como ausência de conflitos, mas como a possibilidade de solucioná-los por meios não-violentos.

Tendo como referência os conceitos de sustentabilidade ambiental e cultural é possível dialogar positivamente com as políticas de turismo. Somente assim podem ser suprimidas desconfianças mútuas, que resultam de ações equivocadas, como a remoção de moradores pobres de centros históricos reformados e a espetacularização de tradições populares, com objetivos exclusivamente comerciais. É sabido que os turistas têm predileção pelo que é original e singular, e que por isso os bens culturais e naturais exercem sobre eles forte atração. Essa circunstância pode ser aproveitada para potencializar as expressões culturais locais e conservar as belezas naturais, desde que o turismo seja também ele sustentável.

CULTURA, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

Os territórios da cultura são múltiplos e suas fronteiras flexíveis e superpostas: cidade, campo e floresta; capital e interior; centro e periferia; litoral e sertão; União, Estados e Municípios; Grandes Regiões (norte/nordeste/sudeste/sul/centro oeste), regiões metropolitanas e outras no âmbito dos Estados; espaços cibernéticos... Os desafios que se colocam para as políticas culturais são os de estar presentes em todos esses lugares e contribuir para superar os desequilíbrios sócio-econômicos e regionais que ainda marcam a organização territorial do Brasil.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que os 10% mais ricos do Brasil são responsáveis por aproximadamente 40% do consumo cultural. A maioria desse público é constituída por pessoas de alta escolaridade e vive nas regiões metropolitanas, que concentram 41% do consumo cultural. Esse desequilíbrio territorial e social do consumo cultural está relacionado à desigualdade também na distribuição de equipamentos pelo país: 82% dos municípios têm baixo número desses equipamentos (menos de 6 entre 15 considerados), sendo que a região Norte apresenta 85% de municípios nessa categoria. Os empregos culturais formais na área da cultura também estão concentrados nas regiões de maior densidade econômica, particularmente no Sudeste e, nessa região, nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A grande maioria desses empregos (98%) está localizada na indústria cultural. O percentual de participação de mulheres e negros no mercado de trabalho cultural é menor do que o de homens e brancos, e a desigualdade salarial entre homens e mulheres e entre brancos e negros ainda é uma realidade.

Completando esse quadro, os recursos públicos federais, que já são escassos, chegam a poucos municípios. Em contrapartida, ao comparar os gastos públicos em cultura, nas três esferas de governo, verifica-se que os municípios respondem por 52,6% dos dispêndios, os Estados por 34,6% e o governo federal por 12,8%. Esses dados, de 2003, mostram que os municípios têm papel fundamental na vida cultural do país, embora os de menor porte (até 5.000 habitantes) possuam menos autonomia (porque são dependentes de transferências federais e estaduais) e menor capacidade para alocar recursos.
As desigualdades só podem ser enfrentadas com políticas focadas nas regiões mais carentes. Nesse sentido, o programa Territórios da Cidadania, coordenado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, é inovador. Não só porque articula inúmeras políticas setoriais (incluindo a cultura), mas também porque atinge as regiões mais pobres de todos os Estados brasileiros.

FINANCIAMENTO DA CULTURA

O financiamento da cultura tem de ser pensado em função dos objetivos da política cultural. Cada objetivo pode definir uma estratégia diferente para a injeção de recursos, que podem ser provenientes de fontes diversas. O financiamento é determinado pela política e não seu determinante. Esse princípio, que parece óbvio, custou a ser admitido na área da cultura, onde durante muito tempo predominou a ideia de que o Estado nada mais tem a fazer se não fomentar e financiar.

Sob o império dessa concepção é que foram criadas as leis de incentivo com base na renúncia fiscal. Por meio delas o poder público abre mão de arrecadar parte de impostos dos contribuintes que se dispõem a investir nas atividades culturais. Após anos de experiências, nas diversas esferas de governo, ficaram evidentes as distorções desse modelo de financiamento. Como essas leis entregam ao mercado de patrocínio a decisão sobre o que apoiar, elas acabam provocando, como é próprio dos mercados, todo tipo de desigualdade. Desigualdade entre regiões (as que concentram mais empresas atraem o grosso dos patrocínios); desigualdade entre produtores (os que são mais organizados têm maior acesso às empresas e captam mais recursos); entre patrocinadores (os que têm maior faturamento podem apoiar mais projetos); entre tipos de projetos (os que, na visão das empresas, têm maior impacto de marketing obtêm mais patrocinadores); entre os artistas (as empresas preferem associar sua marca a nomes já consagrados). Os números falam por si: nos 18 anos de funcionamento da lei atual, 3% dos proponentes captaram mais de 50% dos recursos; grande parte desses recursos (cerca de 80%) vai para um número restrito de artistas e produtores localizados no eixo Rio-São Paulo. E o montante de recursos movimentado pela lei corresponde a nada menos do que 80% de tudo o que o Ministério da Cultura tem para aplicar em cultura.

Na época em que as leis de incentivo com base na renúncia fiscal foram introduzidas na União e em vários Estados e Municípios, dizia-se que elas teriam um efeito “pedagógico” sobre as empresas. Pensava-se que os patrocinadores, com o tempo, seriam convencidos das vantagens do investimento cultural e dispensariam o incentivo público. Essa expectativa revelou-se ilusória. Quando o governo Collor extinguiu a chamada lei Sarney, as empresas imediatamente se afastaram do patrocínio cultural. Na atual crise financeira o mesmo fenômeno se repetiu, demonstrando que de fato é mínimo o compromisso do mercado com incentivo à cultura. Se o que se deseja é superar as desigualdades sociais, culturais e regionais, não há como abrir mão da presença ativa do Estado.

Uma distorção pouco lembrada das leis de incentivo é que nelas todos os segmentos da arte e da cultura são colocados num mesmo caldeirão. Sabe-se, contudo, que a produção cultural tem características distintas conforme a natureza do produto. O audiovisual difere das artes cênicas, que difere das artes visuais, que difere da literatura, que difere da música, que difere da cultura popular e assim por diante. Mesmo no âmbito de cada segmento há diferenças. Nas artes cênicas, por exemplo, os problemas do teatro são uns, os da dança outros, diferentes dos problemas da ópera ou do circo. Isso coloca um desafio para as políticas de fomento à cultura, que serão mais eficientes se considerarem as especificidades de cada processo de trabalho (ou cadeia produtiva). Isso pressupõe conhecer todos esses segmentos e instituir mecanismos específicos para superar eventuais gargalos e fomentar as potencialidades criativas.

A proposta de alteração da lei de incentivo à cultura apresentada pelo MinC vai nesse sentido, pois cria fundos específicos para setores distintos. Os editais que criam prêmios para segmentos socioculturais ou programas específicos, estão indo na mesma direção, criando o que o ex-ministro Gilberto Gil, na sua visão abrangente, chamou de “cesta” de variados mecanismos de fomento.

SUSTENTABILIDADE DAS CADEIAS PRODUTIVAS DA CULTURA

Pesquisas recentes indicam que a economia da cultura é uma das que mais cresce no mundo. Ela engloba as indústrias culturais (editorial, fonográfica e audiovisual); a mídia (jornais, rádio e TV); as expressões da cultura (artes cênicas, artes visuais, literatura, música, cultura popular); as instituições culturais (museus, arquivos, bibliotecas e centros culturais), os eventos, festas e exposições; outras atividades criativas como a publicidade, a arquitetura e o design (gráfico, de produtos, da moda e de interiores), além do turismo cultural. Essa economia é baseada num recurso praticamente inesgotável - a criatividade -, e tem forte impacto sobre o desenvolvimento de novas tecnologias.

O desenvolvimento da economia da cultura está relacionado ao processo de globalização, que provoca intensa estandardização de bens e serviços em escala mundial. Nessa conjuntura os produtos culturais, que têm entre suas características a singularidade, a unicidade e a raridade, tendem a valorizar-se, pois quanto mais raro um produto, maior o seu preço. Isso vale também para os sítios de valor histórico, artístico e paisagístico e para o patrimônio cultural em geral, que são fortes atrativos para as indústrias do turismo e do entretenimento.

Também influenciam no desenvolvimento econômico da cultura as características da chamada “nova economia” ou “economia do conhecimento”, na qual a ciência, a tecnologia e a capacidade de simbolizar exercem papel saliente. A produtividade dessa economia - cujos setores mais dinâmicos são o financeiro, as indústrias de computadores, softwares e das comunicações, além da biotecnologia e da nanotecnologia -, depende tanto da incorporação de capital como do investimento em pessoas e, nesse caso, Cultura e Educação cumprem função estratégica. A adoção desse conceito e o investimento em ações baseadas nas potencialidades dessa economia podem fazer da criatividade um importante vetor do desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Contudo, também deve ser assumida a realidade da produção cultural, que tem particularidades que a distinguem dos processos rotineiros e mecânicos que caracterizam a confecção da maioria dos produtos. Por ser criativo e inovador, o bem cultural pouco se coaduna com os tempos e meios de produção, distribuição e consumo das mercadorias produzidas em escala. O empreendimento cultural sempre envolve riscos e muitas vezes não gera retorno financeiro. Mesmo perseguindo fórmulas consagradas, a produção cultural nunca será totalmente previsível, podendo resultar em sucesso, mas também em fracasso de público. Por isso o incentivo estatal e as parcerias entre o poder público e a iniciativa privada, nas diversas fases de realização do bem cultural (criação, produção distribuição e consumo), sempre serão necessários à sustentação das cadeias produtivas da cultura. Essa necessidade fica ainda mais evidente quando se constata que a economia da cultura gera efeitos para além dela mesma, pois seus produtos fortalecem os vínculos de sociabilidade e identidade, criam lazer e bem-estar, contribuem com a educação e com o desenvolvimento econômico em geral.

GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA

Pesquisas recentes, realizadas pelo IPEA sobre a geração de emprego no setor cultural, indicam que esse segmento é um importante componente do mercado de trabalho e possui dinamismo e potencial ainda não explorado sistematicamente para gerar ainda mais empregos, renda e bens simbólicos. Considerando apenas o emprego formal, que abrange aqueles com carteira de trabalho por prazo indeterminado, estatutários, trabalhadores avulsos e por prazo determinado, o estudo constata que, no período 1994-2002, os segmentos mais dinâmicos são os relacionados às atividades de comunicação (rádio, televisão e telecomunicações), de lazer e leitura. Com menor participação aparecem as indústrias fonográficas, de cinema e audiovisual e o setor de espetáculos. Embora o emprego informal não tenha sido objeto desse estudo, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2001) indicam que a informalidade no setor cultural chega a 49%. Esse dado provavelmente está relacionado aos processos de reestruturação (incluindo terceirização) das indústrias culturais na década de 1990 (particularmente a indústria fonográfica), mas também às características próprias de vários segmentos da cultura, que são irredutíveis aos meios de reprodução ampliada e se organizam de forma colaborativa, voluntária e familiar.

No período considerado, um dado que chama a atenção refere-se ao crescimento do emprego formal nos estabelecimentos culturais de menor porte (até 99 empregados), enquanto os de grande porte (500 ou mais empregados) eliminaram vagas. Esses dados sugerem que uma política de fomento às micro, pequenas e médias empresas culturais pode incrementar a geração de empregos e também contrabalançar as tendências monopolistas da grande indústria cultural.[1]




[1]Texto retirado do Documento Base da II Conferênicia Nacional de Cultural

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