Eixo - Formação e Intercâmbio Cultural
I. Formação Cultural nas dimensões cidadã, simbólica e econômica
II. Formação de Público
III. Promoção de Intercâmbio Cultural
A relação entre educação e cultura não pode ser pensada de forma dicotômica. Jean-Claude Forquin destaca que “toda educação de tipo escolar supõe sempre na verdade uma seleção no interior da cultura”. Uma possível definição de currículo deveria então dar ênfase, segundo o autor, a aspectos como seleção e transposição didática, ou seja, o que levar para a escola das múltiplas experiências culturais vividas no cotidiano e como torná-las acessíveis às novas gerações.
Nesse contexto, a escola assume um importante papel, no sentido de possibilitar o acesso a variadas formas de expressão cultural, em especial no campo da arte. E os professores são mediadores dessa relação.
De que forma a leitura de um livro de literatura, a frequência a salas de cinema e teatro, a ida a museus e a espetáculos musicais e de dança constituem um repertório capaz de enriquecer o currículo escolar.
A expressão formação cultural vem sendo cada vez mais utilizada, para os mais diversos propósitos. Pretendemos, neste texto, desenvolver esse conceito, a partir de sua gênese, para depois relacioná-lo com o campo da Educação.
O termo cultura deriva-se do latim cultur e era originalmente relacionado aos cuidados dispensados ao campo, isto é, seu cultivo com plantas e animais. A partir do século XVI, seu sentido inicial sofre transformações e é com o Movimento Iluminista, em meados do século XVIII, que a utilização do sentido figurado do termo ganha força. A metáfora de se cultivar o espírito, assim como se cultiva a terra, recebe reconhecimento e o termo “cultura” passa a ser entendido como o estado do espírito cultivado, quase sempre associado à ideia de “civilização” (CUCHE, 1999).
Mais tarde, intelectuais nacionalistas alemães criticaram a influência da corte francesa e passaram a utilizar o termo “cultura” para o que é autêntico, profundo, e “civilização” para o que seria supérfluo, mero refinamento estrangeiro. Essa polarização permanece por boa parte do século XIX: para os alemães, a noção de cultura abarca o conjunto de tradições artísticas e intelectuais que marcam determinado povo; para os franceses, a noção de cultura se funda à de civilização, denotando todo um patrimônio de arte e conhecimento que se compreende como universal. Essa polarização marca o debate sobre cultura presente no século XX, oscilando entre dois polos, um universalista (de herança francesa) e outro particularista (de origem germânica).
Atualmente, percebe-se uma tendência, na qual nos incluímos, de se aproximar esses dois polos, isto é, entender a cultura tanto do ponto de vista local quanto do ponto de vista universal. No caso da Educação, esse debate ganha contornos peculiares.
Em geral, a Educação, ao longo dos tempos, vinha adotando a concepção francesa, isto é, universalista. Os currículos e conteúdos considerados “educacionais” giravam em torno de saberes consagrados. Os críticos, muitos provenientes de outras áreas das ciências humanas, notadamente da sociologia, apontavam equívocos e afirmavam que muito do que era considerado “universal” era apenas europeu, branco e masculino. Defendiam, tal como os intelectuais germânicos do século XIX, a necessidade de se abarcar as manifestações culturais locais, distintivas de determinados grupos sociais, ainda que minoritários do ponto de vista da hegemonia política e econômica. Essa postura pode ser reconhecida principalmente no campo das discussões sobre currículo, em particular nas questões relativas à multiculturalidade e, certamente, tem validade.
Contudo, é importante ressaltar o perigo de se cair em um processo igualmente nocivo que é o da recusa a qualquer conteúdo que represente o pensamento consagrado. Conforme nos lembra Rouanet, há o perigo de se adotar uma postura anticolonialista, que termina por se constituir em xenofobia: “cultura autônoma é aquela que pode ser posta a serviço de um projeto de autonomia, e não vejo porque só a cultura gerada dentro das fronteiras nacionais possa contribuir para esse objetivo” (1999, p. 127).
Exemplifiquemos: estudar Cervantes, conhecer sua obra-prima, viajar junto com Dom Quixote combatendo os moinhos de vento, tudo isto é absolutamente necessário e rico, do ponto de vista da própria constituição de humanidade. Não é porque um aluno more na periferia do Rio de Janeiro que seus limites tenham que ficar restritos ao jornal do bairro. Mais uma vez recorremos a Rouanet:
O ideal democrático é a universalidade, o que significa criar condições para que todos tenham acesso à língua culta, e não a segregação, que excluiu grandes parcelas da população do direito de usar um código mais rico, que lhes permitiria estruturar cognitivamente sua própria prática, com vistas a transformá-la (1999, p. 137).
Da mesma forma, ainda que sejam valorizadas, em sala de aula, as produções musicais que o aluno vivencia cotidianamente, como o samba ou outros ritmos mais populares, não é razoável que não se possa apresentar a ele obras-primas consagradas, como afirma Snyders, respondendo às críticas pertinentes de Bourdieu a respeito do elitismo da música erudita:
A música de Mozart é música de classe: ouvimos nela a vida das cortes senhoriais, respiramos nela a atmosfera arcaizante de galanteria e de lacaios empoados; o acesso a Mozart hoje, as condições que fazem com que ele seja ou não ouvido, são fenômenos de classe.
Entretanto, as obras primas de Mozart possuem em si mesmas elementos para ultrapassar as barreiras de classe, tanto as de seu autor como as de seu público; um ensino elaborado é necessário, sem dúvida, para que os alunos tomem consciência desses elementos – e isto constitui também uma das justificativas desse ensino (1992, p. 43).
É importante afirmar que o potencial de transformação da arte é intrínseco à sua própria natureza, não estando restrito a um discurso que se quer engajado. A arte não é revolucionária apenas por ser escrita por ou para trabalhadores. Quanto a isso, adverte-nos Marcuse (1977, p. 14):
Quanto mais imediatamente política for a obra de arte, mais ela reduz o poder de afastamento e os objetivos radicais e transcendentes de mudança. Neste sentido, pode haver mais potencial subversivo na poesia de Baudelaire e de Rimbaud que nas peças didáticas de Brecht.
É fundamental, portanto, ter em mente o potencial transformador da Arte e, por conseguinte, sua centralidade em um projeto de formação de professores para uma sociedade que se quer transformada. Esse potencial pode estar igualmente localizado em obras de arte de origem popular ou erudita. Também é importante distinguir as produções artísticas verdadeiramente populares daquelas produzidas pela indústria cultural, tendo em vista, prioritariamente, o lucro comercial, acima de qualquer preocupação com qualidade estética.
Poder-se-ia afirmar que o professor está imerso na cultura: os apelos visuais, sonoros, corporais estão por toda parte, especialmente veiculados pelos grandes meios de comunicação de massa. Por que, então, insistir na ideia de que a formação cultural dos professores ainda é incipiente e precisa ser incrementada? Porque é preciso estarmos alertas quanto ao processo de coisificação da arte, isto é, sua incorporação pela indústria cultural. É nesse processo de mercantilização que se retira o potencial transformador da arte. Segundo Pucci (1995, p. 26), “a arte introduz a dimensão do novo, do subjetivo, do arriscado, do ambíguo, qualidades não tão bem vistas pelos planejadores da Razão Instrumental”. Já a indústria cultural, transformada em sensível instrumento de controle social, confere É importante afirmar que o potencial de transformação da arte é intrínseco à sua própria natureza, não estando restrito a um discurso que se quer engajado aos produtos culturais um ar de semelhança, de homogenização, de coisificação.
Essa falsa variedade está ancorada em uma “suposta liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa” (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p. 156). Nesse processo, denominado semicultura (ADORNO, 1996), o indivíduo não vivencia uma experiência estética profunda: é apenas uma fruição epidérmica, pouco vigorosa e, principalmente, passageira, uma vez que é preciso estar sempre disposto a consumir o novo produto a ser lançado. As ondas de que o meio fonográfico brasileiro lança são um triste exemplo dessa pasteurização: a cada verão, novos modismos/artistas são lançados no mercado. Há toda uma veiculação de produtos correlatos (DVDs, roupas, calçados, shows), exaustivamente divulgados, que atingem números realmente impressionantes de vendagem, frequentemente batendo os recordes dos anos anteriores. No entanto, da mesma forma que se apresentam de forma avassaladora, não resistem a mais de uma estação, curiosamente o período em que o mundo da moda lança seus novos produtos. Nesse sentido, a expressão “modismo”, quando aplicada aos produtos da indústria cultural, não é fortuita.
Diferentemente, as obras de arte, sejam de origem popular ou erudita, promovem no apreciador, seja ele ouvinte ou espectador, um crescimento na direção de sua própria humanização. A relevância da experiência estética está justamente nesse processo, pois é no contato com a Arte, seja assistindo a um filme e sentindo empatia pelos personagens, seja participando de um concerto e se transportando para outro período histórico, seja apreciando uma pintura e vivenciando o ideal de beleza e humanidade nela expresso, o homem anseia por absorver o mundo e, ao mesmo tempo, integrá-lo a si mesmo. Para Fischer, isto é claro na medida em que faz parte da natureza humana essa transcendência.
É a partir de afirmações como essa que reiteramos nossa convicção de que a formação cultural dos professores é fundamental e urgente. Como formador de futuros cidadãos, o professor, antes de tudo, precisa estar conectado com o mundo da cultura, cultura essa entendida como patrimônio de todos. É inerente ao seu ofício fazer as mediações necessárias para que seu aluno possa tomar posse de todo esse patrimônio. Contudo, se ele mesmo não possui os instrumentos de análise necessários para esse fruir mais aprofundado, como estimular esse processo em seus alunos? Daí a necessidade de investimentos vigorosos nessa direção.
Uma conjugação de esforços se faz necessária: mudanças curriculares nos cursos de formação de profesnsores, estímulo à frequência de espaços culturais, descontos para professores nos ingressos, enfim, uma efetiva política de incentivo à formação cultural dos professores. Efetivamente, uma conjugação de esforços e medidas que se constituam em um projeto político e não apenas iniciativas isoladas, quase sempre marcadas por interesses localizados ou sem continuidade. É preciso ultrapassar a lógica de uma política de eventos para se viabilizar uma política de Estado, na direção de um conjunto de medidas, a curto, médio e longo prazos, que garantam a formação cultural dos professores em um nível aprofundado.
É no reconhecimento do potencial da Arte e da cultura em geral na transformação das pessoas que defendemos sua apropriação por todos os indivíduos, sem distinção de classe, gênero ou etnia. E é no reconhecimento da Educação como uma das alavancas primordiais para a transformação social (FREIRE, 1993), que defendemos a formação cultural dos professores como elemento central no processo de emancipação da sociedade.
a cultura na formação de professores
Em educação, uma ideia questionável, mas amplamente generalizada, é a de que o sucesso do processo de ensino e aprendizagem se vincula diretamente ao domínio de conteúdos escolares pelo professor ou pela professora e à capacidade de transmiti-los. A fim de contribuir para esse debate, defendo aqui a necessidade de a formação docente incluir experiências estéticas que permitam a professores e professoras mediarem a aprendizagem de conteúdos curriculares e ampliarem o repertório cultural de alunos e alunas com mais facilidade e segurança. Também discuto a contribuição de experiências estéticas para processos de subjetivação constitutivos da profissionalidade docente. Para tanto, parto dos pressupostos de que fatores sociais e culturais são decisivos à constituição de saberes docentes e sua mediação na aprendizagem discente e, ainda, de que estudos sobre a relação entre docentes e cultura podem ampliar a compreensão das práticas educativas referentes não só à mediação do conhecimento escolar, mas também à formação humana em sentido lato, que supõe formação cultural e estética.
Toda prática social tem dimensão cultural, ou seja, a cultura aprendida e apreendida é referência para diversos procedimentos ou normas de pensar, agir e relacionar-se compartilhados e reconhecidos pelos sujeitos na vida pessoal e na vida profissional aprendida e apreendida é referência para diversos procedimentos ou normas de pensar, agir e relacionar-se compartilhados e reconhecidos pelos sujeitos na vida pessoal e na vida profissional. Cultura e educação não se dissociam, pois os processos educativos, sejam institucionais ou não, inserem-se em uma cultura.
À luz de Bourdieu e Jean Claude Passeron (1975) — quando asseveram que as relações entre competências culturais e linguísticas próprias de certa classe social determinam o desempenho na escola —, também se pode supor que, quanto maior e mais variado for o repertório cultural do professorado, mais numerosas e apropriadas serão as escolhas possíveis para que este medeie a construção de conhecimentos escolares.
Ora, se a educação tem vínculos fortes com a cultura, então é pertinente discutir a contribuição das experiências culturais da vida cotidiana para a formação de docentes e sua prática educativa.
Para Maurice Tardif, o saber docente é plural e construído em diferentes tempos e espaços da vida em sociedade; é um saber resultante de um amálgama de vários saberes: os saberes da formação profissional, os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes experienciais. Aqui nos interessa discutir os saberes experienciais, ou seja, aqueles saberes que mobilizam conhecimentos adquiridos através da história de vida, da experiência de trabalho e da socialização (TARDIF, 2002).
Se, como afirma Tardif, os saberes experienciais colaboram para a constituição do saber docente — e se resultam, em grande parte, das experiências da vida em sociedade —, então cabe perguntar: que experiências são essas? Incluem experiências culturais e estéticas como práticas de leitura e hábito de frequentar museus, salas de concerto, teatro, cinema, exposições de artes visuais, espetáculos de dança etc.? E quais são as contribuições que essas experiências trazem à prática pedagógica?
Ainda são escassos os estudos que destacam os vínculos entre cultura e educação e defendem a escola como centro de formação cultural onde as disciplinas das humanidades voltadas ao sentir e ao pensar (música, literatura, teatro, cinema, artes visuais e outras) são vistas como parte importante da educação escolar; também são escassos estudos que apontem a relevância das experiências estéticas para processos de subjetivação e para a constituição da profissionalidade docente. Mas tal escassez não se justifica por falta de reconhecimento da importância desses vínculos, apontados por vários autores que defendem uma política de formação (inicial e continuada) que assegure ao professor e à professora o acesso a formas variadas de expressão artística.
No Brasil, a posição oficial quanto a uma formação cultural para docentes é incipiente e difusa. Com efeito, o Plano Nacional de Educação apenas sugere que os currículos dos cursos de formação para o magistério assegurem uma “ampla formação cultural”, e recomenda uma parceria entre as instituições formadoras e os equipamentos culturais públicos e privados com o objetivo de “[...] criar oportunidades de convivência com um ambiente cultural enriquecedor [...]” (BRASIL, 2001, p. 74).
Também as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores/as da educação básica abordam vagamente o problema da formação cultural. Tal documento diz que “[...] a organização curricular de cada instituição observará [...] outras formas de orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o preparo para [...] o exercício de atividades de enriquecimento cultural [...]”; e também recomenda “[...] iniciativas que garantam parcerias para a promoção de atividades culturais destinadas aos formadores e futuros professores” (BRASIL, 2002).
A ambiguidade e a superficialidade desses documentos no tocante à problemática da formação cultural do professorado são reiteradas pelos dados de uma pesquisa recente (GATTI; BARRETO, 2009) sobre as licenciaturas. A pesquisa indica a presença de disciplinas optativas nos currículos das licenciaturas que, pela sua denominação, podem ser relacionadas à educação estética; mas isso não significa que visem à formação cultural de professores e professoras — dito de outro modo, podem ser disciplinas instrumentais, voltadas ao ensino de técnicas artísticas.
A mesma pesquisa indica que muitas licenciaturas incluem no currículo “atividades culturais”, “atividades científico-culturais” ou “seminário cultural”. Mas, no dizer das pesquisadoras, “[...] pelo material examinado [...] fica muito pouco claro do que constam e qual o tratamento que lhes é oferecido [...]” (GATTI; BARRETO, 2009, p. 124). O que nos leva à suposição de que foram inseridas no currículo para atender “no papel” às recomendações dos documentos oficiais.
Outra pesquisa (UNESCO, 2004), de âmbito nacional, evidencia a necessidade de os órgãos governamentais se preocuparem mais com a formação cultural de docentes. Feita em 2002, ela enfocou o perfil de professores e professoras da educação básica no Brasil e, dentre outros quesitos, levantou informações sobre o consumo cultural e as preferências e atividades culturais. Os dados foram obtidos mediante questionário, respondido por uma amostra representativa — cinco mil pessoas — do universo constituído por docentes de escolas públicas e privadas das 27 unidades federativas. Sobre a participação docente em eventos e atividades culturais (visitas a museus e exposições de artes visuais, frequência a teatro, concertos, cinema etc.), os dados são alarmantes: 62,1% nunca foram a um concerto de música erudita, 17,4% nunca foram ao teatro, 14,8% nunca foram a um museu, 8,6% nunca visitaram uma exposição em centros culturais e 8,6% nunca foram ao cinema.
Os baixos índices de consumo de bens culturais obtidos nessa pesquisa podem indicar que, em muitos municípios brasileiros, é pequena ou nula a oferta de equipamentos, ações e eventos culturais. No Brasil, a maioria das ações culturais não abrange muitos segmentos do mercado consumidor, pois estão nos grandes centros urbanos e são destinadas a um público mais exigente e diferenciado que vive nas capitais de mais projeção (CAIADO, 2001). Ou seja, o investimento público em cultura subsidia o consumo das camadas de média e alta renda (SANTOS, 2009). Ao não contemplar pequenos municípios e a periferia das grandes cidades, tais ações não atingem as camadas de mais baixa renda, nas quais a maior parte do professorado se inclui.
Mas outros fatores contribuem para o baixo índice de consumo cultural entre professores e professoras. Em pesquisa mais recente (ALMEIDA; CAMARGO; SILVA, 2007), que corrobora os índices acerca do consumo cultural obtidos na pesquisa UNESCO, as professoras entrevistadas afirmam que jornadas de trabalho intensas e salários baixos, bem como a falta de familiaridade com certos tipos de produção artística — suas histórias de vida familiar e escolar não registram tais experiências — limitam ou impedem certas práticas culturais. Essas justificativas confirmam que a dificuldade de acesso a certas expressões da cultura se vincula ao nível de educação, à profissão, à localização domiciliar e, sobretudo, às transmissões familiares — como assinala Bourdieu (1998).
Os resultados das pesquisas aqui citadas permitem supor que as experiências culturais da maior parte do professorado brasileiro não se distinguem das experiências do alunado, pois compartilham a mesma cultura amorfa disseminada pela indústria cultural via meios de comunicação massiva. Assim, cabe indagar: como professores e professoras podem ampliar a bagagem cultural de alunos e alunas se os repertórios de experiências estéticas de ambos se assemelham?
O baixo índice de frequência a eventos culturais entre professores e professoras se torna ainda mais sério porque fatores sociais e culturais são centrais na constituição de saberes docentes e na mediação de conhecimentos escolares. Ora, na prática educativa, não só se busca cumprir as prescrições da cultura escolar, mas também se expressa uma subjetividade produzida pela cultura vivida em sociedade.
Se à escola cabe a responsabilidade de ampliar a dimensão expressiva e criativa de alunos e alunas, familiarizando-os com um mundo cultural alheio ao cotidiano de suas vidas, é premente a necessidade de se implementar uma política de formação profissional que preveja o desenvolvimento cultural e estético do professorado da educação básica.
Defender uma formação cultural que ultrapasse os limites do que a “cultura massiva” pode oferecer, de modo algum, supõe opô-la à chamada cultura erudita. Não se trata de preferir uma a outra, pois os universos distintos de significados culturais que transitam na sociedade contemporânea não podem ser hierarquizados; antes, têm de ser previstos no processo criativo dos sujeitos e nas mediações possíveis entre o vivido, o aprendido e o imaginado. Nesse caminho, cabe ao professorado reconhecer as culturas locais de que o alunado participa — às vezes de forma díspar — e levar à sala de aula outros universos de significados para que possam ser confrontados, apropriados e reconstruídos.
O consumo de bens culturais é direito de todos, por isso é tarefa do Estado implementar ações coordenadas e contínuas para ampliar as condições de acesso à cultura mediante serviços culturais que garantam formas de inclusão e participação de todos; ou seja, uma política cultural que amplie as dimensões existenciais para além do trabalho e da subsistência. Equivocadamente, as políticas públicas para se democratizar a cultura se fundamentam na ideia de que os entraves ao consumo de tais bens são materiais: má distribuição ou ausência de espaços culturais, ingressos com preço muito alto etc. No entanto, na contramão do que revelam as pesquisas, as barreiras simbólicas preponderam como forma de impedir alguns segmentos da população de consumirem certos bens culturais.
A sensibilidade, sobretudo em relação a experiências de apreciação artística da música, da dança, do teatro, das artes visuais e do cinema, também constitui os saberes docentes. Se tais experiências são reiterativas da cultura amorfa disseminada pela mídia massiva, elas expressam uma formação inicial e continuada ineficiente, agravada pela inserção precária ou pela falta de inserção na vida cultural. Superar esse problema depende do Estado (definição de prioridades, controle e acompanhamento de ações programadas ou fomentadas pelo governo) e da sociedade civil (que tem papel decisivo na construção dos sistemas culturais). Ao professorado cabe se mobilizar não só em prol do controle de gastos públicos com cultura, mas também de sua participação direta na definição de políticas culturais em geral e políticas para a formação de profissionais da educação em particular.
Ora, se as barreiras simbólicas preponderam como empecilhos para que certos segmentos da população — nesse caso, professores e professoras, alunos e alunas — consumam certos bens culturais, então é necessário que os currículos de formação docente deem mais atenção a práticas estéticas, culturais e de criação. Enfim, se a escola é instrumento poderoso para formar o gosto e estimular a apreciação e o uso de bens simbólicos de forma duradoura e estável, então, é urgente uma revisão curricular da formação magisterial e políticas públicas para formação cultural e estética de docentes atuantes na educação básica do Brasil. Não uma “política de eventos”, mas uma política que crie um programa educativo a ser desenvolvido em longo prazo e abarque educação escolar, estudos superiores e formação continuada; um programa em que as instituições formadoras sejam espaços não só de produção e difusão cultural, como também — e sobretudo — de mediação cultural; um programa em que — dadas as condições atuais de trabalho e salário de professores e professoras — haja uma democracia cultural que lhes possibilite consumir outros bens culturais além dos que são oferecidos pela indústria cultural.[1]
Nenhum comentário:
Postar um comentário